sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Viver ou não viver? Eis a questão...

 Tá todo mundo cansado.

Eu tô cansada.

A privação social é um negócio que dói. Porque nós somos seres coletivos. Biologicamente coletivos (precisamos dos outros para promover abrigo, alimentação, reprodução e perpetuação da espécie).

E foi pelo coletivo, para preservar a vida humana no planeta Terra que entramos em quarentena. E as pessoas foram arrumando uma série injusttificável de justificativas para justificar a quebra do isolamento. Algumas cruéis.

E quem se manteve atrás das máscaras foi ficando dorido. Como aquela menina que escolheu proteger seu pai e negou uma visita à netinha, que agora nunca mais o verá. Não, ele não morreu de Covid-19. Foi um infarto inesperado no sofá de sua sala, sozinho.

Daí caímos nesse abismo antagônico: nos manter afastados para resgardar o outro e a nós mesmos, correndo o risco de perder pra sempre a chance de estar juntos pela última vez ou nos manter afastados por empatia pela vó da amiga com quem você decidiu sair para jantar. A consciência é um negócio pesado às vezes, né?

Viver ou não viver? Eis a questão...

Porque vírus é assim, gente: incolor, microscópico e se espalha. E a maioria dos seus vetores são assimtomáticos. Ah, vale lembrar que ele também é apartidário: vai contaminar quem votou no Haddad e quem escolheu o Bolsonaro.

Onde eu quero chegar com esse texto?

Acho que pela primeira vez em lugar nenhum... Estou apenas compartilhando meu cansaço.


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Sobre nossas versões anteriores...

Daí ele me pediu para escrever pra ele, revertendo uma imagem que criei aqui de sua paternidade antes dela acontecer, num desses rompantes hormonais que a gente tem na gravidez...
Então, mãos à obra! Pois ele merece, senhoras e senhoes!

Vamos à primeira consideração (filosófica e política, além de íntima e confessional): o ser humano não é estático. Não nasce pronto, tampouco dá conta de sustentar qualquer verdade do começo ao fim da vida, sem transformar seu olhar à medida que altera sua posição no mundo e o alcance de sua visão.
Vou explicar com menos poesia: essa pandemia, por exemplo, jogou isso na cara de todo mundo. De uma hora para outra fomos obrigados a nos reinventar, aprender coisas novas e novas maneiras de nos relacionarmos. Fomos obrigados a olhar para as escolhas que fizermos e colcarmos em prática muita coisa que era apenas discurso. Ficamos frente a frente conosco e infinitamente distântes de nossa zona de conforto. Ah, e ainda tivemos que ser produtivos para a sociedade capitalista. Tsc...
Deu pra sentir o que eu quis dizer com o exemplo? Faz parte da gente mudar. E a dona vida vive inventando jeitos de nos forçar a isso. O "modo Covid-19 de existência" foi só um...

Quando engravidei eu fiquei como toda grávida: instável e desesperada frente às mudanças que estavam acontecendo (Cara, são de longe as mais radicais!).  Recolhi todos os dados que minha memória havia guardado sobre meu relacionamento com o pai do meu bebê ainda em fase de gergelim e reagi. Eu só podia contar com aquilo naquele momento, e comigo mesma. 
Foi uma fase bacana. Hororosa. Linda. Assustadora. A mais rica em oportunidades! E positiva, no fim das contas...
E então, depois que administrei aquele exército de hormônios e decidi que fantasma não existia, reencaixei minha vida na do doador de esperma do Cícero! (Essa foi pra te provocar, amor!rs)
E finalmente estávamos prontos para sermos "pai" e "mãe", pois esses são papéis sociais e não condições biológicas definidas pelo gênero do seu nasciemtno.
Eu queria ser mãe e ia gerar um neném. Ele queria ser pai e tinha semeado um neném. Pimba!
Nasceu!
E enfim éramos novas duas pessoas, modificadas pelo milagre da vida e a elasticidade humana!

Portanto, o ser humano precisa da oportunidade pra ser e do poder de escolha para ser melhor ainda.
E quando, num post desses por aí eu resumi você, Necho, em três minutos de contribuição pro evento Cícero, eu ainda não tinha visto você assumindo tão magnanimamente bem seu papel de pai. Pai, com P maiúsculo!

Então esse foi meu erro, julgar você antes de vê-lo em ação. Antes da condição imposta pela mudança e da escolha de ser o melhor que já havia sido!
E só pra constar: se você não estivesse aqui comigo, construindo essa família e me dando a oportunidade do confronto evolutivo, eu sairia perdendo. Muito.
Você é um pai além das palavras.
E o maior amor que vivi nessa minha vida!
Te amo, preto!

Aliás, FELIZ DIA DOS PAIS!

sábado, 2 de maio de 2020

Refletindo sobre a prática (ou: Bolha Não!)

Tava eu lá, plena e completamente decidida sobre minha prática educativa, profundamente instrumentalizada, num esforço prazeroso de compartilhar com meu marido as teorias do desenvolvimento infantil, segura e orgulhosa de mim enquanto mudava nossos hábitos para garantir que meu filho (de cinco meses) tivesse a oportunidade de se desenvolver num ambiente livre de telas de celulares, televisões e computador, quando... fui almoçar na casa da vovó.
Ela, em seu esforço carinhosamente genuíno de me proporcionar um almoço tranquilo e agradável com meu companheiro, pegou o netinho para curtir noutro cômodo da casa e em sua melhor intenção ligou a televisão gigantesca de sua sala num volume desnecessariamente alto e sintonizou num programa atrativamente elaborado para crianças pequenas, pondo-se à dançar com ele no colo, de frente para tela, numa proximidade aflitiva.
Olhei para meu marido, engoli. Retesei todos os músculos do rosto. Compartilhamos um silêncio crítico, imóvel, sofrido. Por fim ele riu. Levei outra garfada à boca. Pensamos em silêncio por mais um tempo. Meus olhos umideceram. Levantei, sentei, outra garfada. E por fim controlei todos os meus instintos de arrancá-lo dos braços dela e da influência daquele vilão, terminei meu almoço e entendi que apesar de meus esforços e convicções, o Cícero já havia saído do meu útero e agora era do mundão.
Eu? Assumia então o papel de responsável pelas melhores referências, amando-o e respeitando sua individualidade no tempo e espaço em que ele nasceu (isso inclue quem compõe o seu convívio). Mas sobretudo compreendendo (como boa marxista que sou) que a diversidade de influências é positiva na constituição do indivíduo. Noutras palavras: "Camila, bolha não!"

Daí lembrei da maior lição que a academia me proporcionou: a importância da reflexão sobre a prática.
Teoria é bom, mas a ressignificação do conhecimento aliada à contextualização da realidade material concreta daquela criança e daquela família é o que realmente vai legitimar suas escolhas.

😉

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Nas brechas da maternidade

Sentei no jardim com as pernas cruzadas, apoiando meu filho nelas. Era meio da tarde, meio de uma pandemia de um vírus novo, meio do turno em regime de teletrabalho. A vida andava meio complicada e eu tinha muito tempo pra pensar nela, então passei a desbastar as cebolinhas...
Eu era mãe há cinco meses, pedagoga há nove e militante desde que entendi o significado dessa palavra. E àquela altura da vida, minha coleção de informações úteis e inúteis já havia transbordado do potinho, encharcado todo chão e começava a evaporar ao ar livre.
Tem tanta regra pra ser mãe né?
É tanta diretriz, tanta verdade absoluta e palpite de vizinho. Corrente teóricas: um zilhão! E os macetes para estabelecer uma rotina? Os treinamentos de sono? Alimentos que assam o bumbum ou movimentos que viram o bucho? Sem falar nas adoráveis redes de apoio e naquelas mensagens de solidariedade que a gente recebe...
Mas gente...
E mesmo com todo esse aparato, só o que eu lia nas redes e ouvia das outras mães era como aquilo tudo de casa, filho, família e trabalho era difícil e cansativo e como se anulavam em suas maternidades, vivendo nas brechas do espaço dos seus filhos: ou quando estes dormiam ou então estavam aos cuidados de outra pessoa.
Mas gente (de novo!)....
Eu ali, replantando as cebolinhas, ia refletindo sobre minha prática educativa como mãe e professora, mas talvez um pouco mais como mãe, chegava a mesma conclusão: uma das coisas mais bonitas na educação é que não existe verdade única, nem tanto certo e errado assim... E muitas vezes a gente se esquece de observar a criança, antes de se entupir de informação. A gente esquece que cada uma é um pequeno ser humano, com sua personalidade, preferências, dias bons e ruins (assim como você não é igual sua mãe ou gosta exatamente do que seu irmão gosta).

Nesse momento o Cícero passou a arrancar as cebolinhas, assim como eu...

O mais difícil para nós humanos é a mudança de hábitos, o que não quer dizer que você precisa acender a luz, ligar uma música e chacoalhar brinquedos às três da manhã porque seu filho acordou. Assim como você não vai deixá-lo almoçar Doritos porque deve respeitar o poder de escolha e autonomia dele. O responsável pela saúde dele é você. Só que o responsável pela sua saúde também é você.
A criança quando chega é sim o centro, mas ela não pode fazer a galáxia parar de girar!
Pra que aquela nova relação se torne uma troca, não um fardo.
E eu mantive a rotina, só que com uma criança pendurada no corpo, o que deixa tudo mais lento. Logo a gente acostuma com as atividades interrompidas e com uma vida social e sexual bem menos agitada. Ah, talvez a privacidade no banheiro também tenha diminuído substancialmente...tsc
Porque foi isso que eu escolhi quando decidi ser mãe. E isso é ser mãe. Ou perdi alguma coisa?
E não posso deixar de mencionar o puta companheiro, pai e marido que não me ajuda, mas sim divide os cuidados do pequeno comigo!
Ahh, mas seu filho é bonzinho! Se fosse o meu...
Hunf, o meu chora pra caralho e não desce do colo. Mas mesmo assim o coloquei no esquema que já existia aqui quando ele chegou, diminuindo o ritmo para acolhê-lo sem interromper o fluxo, pois afinal, quem é que vai querer passar esses anos estressada, como coadjuvante do crescimento do filho, esperando pra se reencontrar num futuro incerto? Na próxima brecha?
A prioridade deve ser a qualidade do dia.
E acho que é isso.

E o Cícero de punhos cerrados chupava cebolinhas...

sábado, 11 de janeiro de 2020

O que não te contaram sobre o parto

 Parto humanizado, natural, vaginal, cesariano...

Primeira coisa que não te contaram sobre o parto (e também sobre o puerpério, aquela palavra estranha que a gente nem imagina que exista mas que de repente transforma fundamentalmente nossa vida) é que a frase famosa que diz "Quando nasce um filho nasce também uma mãe" veio com erro. 
Quando você escuta isso logo pensa que seu filho vai chegar aos seus braços, você chorará de emoção e alegria e com seu instinto maternal aflorado saberá identificar as necessidades dele e supri-las com êxito e gratidão. 
Não. Nããããão. Não mesmo.

Vamos por partes...

O parto
Uma linda amiga me disse que "Parto humanizado é aquele que deixa a mulher mais tranquila"
Sentiram a leveza e o poder dessa frase?
Hoje em dia o parto pode ser uma escolha, pois a cesária se transformou num objeto de consumo, podendo ser uma opção pras mamães.  Mas independente dos motivos que as levam a escolher, não podemos esquecer que o parto cesariano é um procedimento cirúrgico (muito bem vindo em parturientes de risco, obrigada) e portanto uma forma artificial de nascimento e que a mulher foi biológica e fisiologicamente constituída para parir pela vagina.
Esclarecidas? 

A dor do parto vaginal
Um trabalho de parto pode durar horas ou dias, fator principal de desencorajamento para a mulher encarar esse processo.
Mas o que não te contaram?
Que você não passará todo esse tempo com dor.
As dores das primeiras fases do parto provém das contrações, que são como ondas: elas têm pico e duração. As contrações começam do zero, aumentam de intensidade, alcançam um pico, diminuem e terminam, voltando ao zero. E você passa alguns instantes (vai depender do tempo de intervalo entre elas) não sentindo absolutamente nada. Eu dormi entre as minhas.
Além disso, no início do trabalho de parto as contrações serão mais espaçadas e menos intensas, ou seja, vem aquela dorzinha leve e totalmente suportável e demora até vir a próxima (o tempo de duração dos intervalos e das contrações vai depender de mulher para mulher, no meu caso começaram de 3 em 3 minutos quase sem dor e terminaram de 3 em 3 minutos com dor mais intensa).

Dilatação
A contração serve para dilatar o canal por onde o bebê vai atravessar, então quanto mais tempo durar o trabalho de parto e mais contrações você tiver, maior será a sua dilatação. De novo, esse processo também varia de mulher para mulher, mas não foge à regra. E se você pensar por esse lado, a contração é sua amiga. Receba-a. Ajude seu corpo. E não se esqueça que toda mulher dilata se enfrentar esse processo.

Psicológico
(No princípio era o verbo)
A palavra não é a tal força criadora? E nós, bons humanos que somos, organizamos o pensamento antes de construir a fala, portanto é nossa cabeça quem manda aqui.
Uma das coisas que mais me ajudaram a enfrentar a fase ativa do meu trabalho de parto (que durou 1h de dor intensa) foi não me entregar pro desespero, lembrando que aquele momento ia passar. E só, porque na hora você não consegue fazer mais do que isso (eu também consegui falar com o bebê em pensamento, uhuul, entendendo que ele era parte daquele processo e encorajando-o a descer e sair pro mundão). 

Resumindo: você encara a dor, ciente de que você precisa dela e que ela vai passar.
Pronto.
Ele nasceu!

O puerpério
Agora já posso te contar um segredo que aposto que ninguém contou: o parto não era o mais importante! tsc
Por mais extenso e cansativo que seja o seu trabalho de parto ele é infinitamente mais rápido do que a sua maternidade. Então, prepare-se para o momento em que você estiver de volta à sua vida, abalada pela descarga hormonal do pós parto, talvez dolorida, completa e profundamente insegura,com um bebê para cuidar e cheia de palpites de como fazer! ;)

Então, parafraseando minha amiga querida: "maternidade humanizada é aquela que deixa a mulher e o bebê mais tranquilos".
Existem milhões de correntes teóricas, argumentos científicos e verdades absolutas de vizinhança pra te dizer como cuidar do seu filho, como se os bebês fossem uma categoria mecânica e uniforme.
Pense assim: os adultos são todos iguais? Você tem as mesmas reações e preferências que sua mãe ou irmão?
Pronto. Observe seu bebê, acalme-se pra conseguir perceber seu próprio instinto e lembre-se que não existe regra ou receita. Se os dois estiverem confortáveis com sua prática, ela está certa.
Ah, e por favor não se esqueça: bebês choram para caralho!!