domingo, 25 de dezembro de 2016

Esse é o nosso jeito de estar juntos


Como posso não tecer um pedido de desculpas para você antes de abraçar meu sono, meu santo e um destino que é só meu e que preciso cumprir sozinha?
Logo pra você, que desgosta de meus pedidos de desculpas e das letras que eu costuro pra me esconder quando sinto medo.
Sei o homem que você é. Sei que me ligou pra dividir sua coragem, seu passo a frente. Sei que pra mim não foi suficiente e te atirei no chão de novo. Sei que quando desliguei o telefone estava no chão com você.
Sei que ao invés de entrar num ônibus e escorregar na tua calçada apaguei a luz e assisti meus dedos dançarem na tela do celular. Mas sei que você me ama mesmo assim. E sabe que eu te amo também.
Tenho todas as nossas tentativas guardadas no meu bolso, junto dos seus sorrisos, daquela meia lua azul, das camisetas brancas, da sombra daquela árvore, das garrafas de conhaque, daquela pedra, daquela lua que nasceu no horizonte da cidade, da represa em que me atirei pra te abraçar molhada, da tua cama, da tua mãe, daquele quarto sem janelas, das minhas brigas com as rodas da tua cadeira, do amigo perdido, das coisas que vivemos sozinhos querendo e imaginando o outro ali.
Você estava ao meu lado no carro no dia em que me perdi. Você acorda comigo às seis horas todos os dias e assiste eu me arrumar pro trabalho. Você senta naquele banco debaixo do pé de graviola em meus horários de almoço e reclama do calor ou da política. Você atravessa a cidade de volta comigo, fumando um cigarro e ouvindo um rap, cai comigo no chuveiro e se deita sem se secar às cinco horas pra descansar o dia na cama. Você está dentro dos meus cadernos e minhas agendas discordando e planejando os finais de semana, férias, virada de ano, futuro, filhos e velhice.
Você estava comigo até quando fiz besteira.
E vai estar enquanto eu espero.
Mesmo que eu não me jogue na sua cama nem deixe o vento que entra pela janela do meu carro beijar seu cabelo.
Porque esse é o nosso jeito de estar juntos. Um dentro do outro mesmo à quilômetros distantes. Lendo cada pensamento. Sofrendo de abstinência. Eu falando pouco e querendo muito. Você querendo tudo e pensando demais. Desesperados pela espera e tranquilos por sabermos que ela não é infinita. 


Você ligou pra dizer que está tentando.
Eu escrevi pra dizer que acredito em você!!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

33

Achei graça no jeito com que ele me pediu pra escrever, depois de me acusar tantas vezes de criar esconderijos atrás de minhas poesias.
Corri os dedos pelo galo no topo da minha cabeça enquanto desembrulhava lembranças guardadas em ordem alfabética na estante do quarto.
Sorri para as mentiras que ele descobriu em menos de trinta e três segundos e que abandonei ao lado de cada pequena loucura que nos havia trazido até ali.
Lembrei daquilo que aquela última chuva me ensinou  quando escondeu a estrada de mim sem me prometer o caminho de volta.
Te abracei molhada de estrela e dobrei aquela madrugada para caber num quarto sem janelas, assistindo de novo uma vida que ainda não é minha e só existe pra tornar suportável respirar submersa na ansiedade de ver teu cabelo esparramado na cama que ainda nem comprei.

Pagaria por um vidro do perfume que teu corpo fabrica e exala por aí.
Morro todas as vezes que me despeço de seu portão.
Queria que acreditasse em mim, mas nem meus dedos acreditam.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Cem quilômetros de tempo

Já havia se passado uma hora inteira. O cabelo secou no travesseiro enquanto a cidade desbotava para se combinar com o coração dela.
Ela nunca se deu bem com o tempo, por isso saía para não vê-lo se gastar; fora de casa não detinha controle algum e era essa a única forma que ela sabia existir..
Mas era segunda-feira e o corpo lhe pediu para parar. Era uma segunda sem cor, mesmo para ela que vivia apaixonada por segundas.
Não sabia se tinha fome.
Não sabia se sua praça gostaria de lhe ver.
Não procuraria amigo nenhum.
Nem compraria beijos de promoção.
Também não limparia os armários. Não falaria. Não pensaria. Não descolaria o corpo do lençol esverdeado.
Não encontrou promessa nenhuma que lhe sustentasse o peso do corpo sobre as pernas.
Não via sentido em atravessar uma semana sem sexta-feira.
Pensou em telefonar. Tentou calcular os pesos e por um instante achou que o vazio lhe doía mais que o sofrimento.
Queria cumprimentar a dor do outro lado da linha telefônica, mas sabia que para ele, ela não passava de um espaço onde acomodou seus medos e incertezas. Sabia que ele havia ficado mais leve depois que a conheceu, tão leve que se tornou incapaz de recusar convites para voar, na companhia de quem lhe alcançasse mais depressa. E ela não tinha cem quilômetros de tempo.
E ainda duvidava do que ele queria, do que falava e até de seus silêncios.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Aquela lua crescente azul

Meus pneus esparramaram a água que matava a sede das ruas da Zona Norte, abafando o rap seco e pesado que ecoava pelo vidro aberto.
Voltei pra casa com o cabelo molhado e sorri para aquela lua crescente azul que me olhava de cima do travesseiro, como quando dormia na sua cabeceira nos dias em que eu estava longe..
O dia tinha sido pra caçador, mas desde que joguei aquela camiseta branca na roupa suja aprendi a me vestir de auto-engano e qualquer outra de mim.
Por mais que a razão me traga a paz de espírito que pedi em minhas orações, pra onde quer que olhe eu quero ver você.
Sinto o cheiro do perfume que você nem usa e espero você brigar comigo por qualquer coisa minha que ninguém dá importância..
Tudo o que eu tinha agora era uma vida vazia de você, onde o sol se punha sem cor e a manhã acordava mofada.
Sei que não vou me atrasar para o trabalho amanhã, que comporei desculpas, desfarei meus planos, que me deitarei com quem inventa promessas, me embriagarei de ocos e esperarei, em segredo, o telefone tocar pra anunciar que pararemos de nos esconder e nos casaremos numa sexta...