sexta-feira, 24 de abril de 2020

Nas brechas da maternidade

Sentei no jardim com as pernas cruzadas, apoiando meu filho nelas. Era meio da tarde, meio de uma pandemia de um vírus novo, meio do turno em regime de teletrabalho. A vida andava meio complicada e eu tinha muito tempo pra pensar nela, então passei a desbastar as cebolinhas...
Eu era mãe há cinco meses, pedagoga há nove e militante desde que entendi o significado dessa palavra. E àquela altura da vida, minha coleção de informações úteis e inúteis já havia transbordado do potinho, encharcado todo chão e começava a evaporar ao ar livre.
Tem tanta regra pra ser mãe né?
É tanta diretriz, tanta verdade absoluta e palpite de vizinho. Corrente teóricas: um zilhão! E os macetes para estabelecer uma rotina? Os treinamentos de sono? Alimentos que assam o bumbum ou movimentos que viram o bucho? Sem falar nas adoráveis redes de apoio e naquelas mensagens de solidariedade que a gente recebe...
Mas gente...
E mesmo com todo esse aparato, só o que eu lia nas redes e ouvia das outras mães era como aquilo tudo de casa, filho, família e trabalho era difícil e cansativo e como se anulavam em suas maternidades, vivendo nas brechas do espaço dos seus filhos: ou quando estes dormiam ou então estavam aos cuidados de outra pessoa.
Mas gente (de novo!)....
Eu ali, replantando as cebolinhas, ia refletindo sobre minha prática educativa como mãe e professora, mas talvez um pouco mais como mãe, chegava a mesma conclusão: uma das coisas mais bonitas na educação é que não existe verdade única, nem tanto certo e errado assim... E muitas vezes a gente se esquece de observar a criança, antes de se entupir de informação. A gente esquece que cada uma é um pequeno ser humano, com sua personalidade, preferências, dias bons e ruins (assim como você não é igual sua mãe ou gosta exatamente do que seu irmão gosta).

Nesse momento o Cícero passou a arrancar as cebolinhas, assim como eu...

O mais difícil para nós humanos é a mudança de hábitos, o que não quer dizer que você precisa acender a luz, ligar uma música e chacoalhar brinquedos às três da manhã porque seu filho acordou. Assim como você não vai deixá-lo almoçar Doritos porque deve respeitar o poder de escolha e autonomia dele. O responsável pela saúde dele é você. Só que o responsável pela sua saúde também é você.
A criança quando chega é sim o centro, mas ela não pode fazer a galáxia parar de girar!
Pra que aquela nova relação se torne uma troca, não um fardo.
E eu mantive a rotina, só que com uma criança pendurada no corpo, o que deixa tudo mais lento. Logo a gente acostuma com as atividades interrompidas e com uma vida social e sexual bem menos agitada. Ah, talvez a privacidade no banheiro também tenha diminuído substancialmente...tsc
Porque foi isso que eu escolhi quando decidi ser mãe. E isso é ser mãe. Ou perdi alguma coisa?
E não posso deixar de mencionar o puta companheiro, pai e marido que não me ajuda, mas sim divide os cuidados do pequeno comigo!
Ahh, mas seu filho é bonzinho! Se fosse o meu...
Hunf, o meu chora pra caralho e não desce do colo. Mas mesmo assim o coloquei no esquema que já existia aqui quando ele chegou, diminuindo o ritmo para acolhê-lo sem interromper o fluxo, pois afinal, quem é que vai querer passar esses anos estressada, como coadjuvante do crescimento do filho, esperando pra se reencontrar num futuro incerto? Na próxima brecha?
A prioridade deve ser a qualidade do dia.
E acho que é isso.

E o Cícero de punhos cerrados chupava cebolinhas...