sexta-feira, 28 de junho de 2019

Epopéia de uma grávida solitária

Oi, você está grávida! E solteira.
Isso quer dizer que cada célula do seu corpo se reprograma para gerar uma vida dentro da vida que elas já eram responsáveis, só que como prioridade... As vitaminas são pro neném, a água é pro neném, o calor é pro neném, a imunidade pro neném. Você fica com os desmaios, intestino preso, as espinhas e a dor nos seios.
A gravidade do seu próprio corpo muda. Todos os órgãos trabalham de maneira diferente.
Os sentidos se alteram completamente.
Daí entram os hábitos: você vai precisar fazer absoluta e radicalmente tudo diferente, por mais que às vezes se esqueça que está grávida.
Você acorda e precisa planejar o melhor jeito de levantar da cama. Você vomita ou não e depois escolhe a melhor coisa da sua cozinha para comer, de preferência que não te faça vomitar de novo (não, você não pode colocar o celular na soneca e sair correndo de casa pra caçar um café na rua no último minuto). Depois disso você escolhe a roupa que muitas vezes não combina mas que te permite suportar o calor e a cólica enquanto trabalha e passa o dia administrando o inchaço das pernas e ador insuportável das costas. Daí você reza para se lembrar que está grávida antes de explodir em lágrimas na frente de todo mundo ou bater em alguém que fez algo idiotamente irritante.
E quando o dia acaba e você está completamente descabelada e mau humorada de azia, depois de ter jogado a carteira no lixo e perdido horas procurando, ter molhado sua calcinha de xixi quando espirrou, esquecido o documento mais importante da reunião, trocado os endereços dos compromissos, peidado ao se levantar da cadeira do restaurante e outra infinidade de etcs, sua amiga te liga e você não pode colocar uma roupa maravilhosa (porque você não tem mais roupas maravilhosas), um perfume mulher fatal (porque ele te enjoa) e sair para encher a cara (porque você está grávida) e paquerar (porque você está grávida). Então você come sopa porque é saudável e não engorda e assiste aquele filme de novo. Você pensa em fazer um Tinder no meio dos diálogos que quase decorou, mas não consegue decidir se coloca a foto da sua barriga logo de cara pra evitar explicações detalhadas (e consequentemente likes) ou se coloca a do rosto (ates de engravidar porque você ainda penteava e trançava o cabelo) e arrisca fugas no ato de contar que está grávida. Ai, não, sem Tinder...
No dia seguinte é tudo exatamente igual, então você começa a gastar seus neurônios com os planejamentos da chegada do seu bebê: você muda os móveis de lugar, faz listas de coisas úteis, faz listas de coisas inúteis, vai à lojas pra cotar preços de coisas úteis e inúteis, testa receitas pra fazer pro seu filho quando ele for depender da sua comida, pensa nas coisas que você já não usa mais e poderia vender pra aumentar a poupança maternidade (como a sua bicicleta nova e vermelha, o growler de chope ou algum modelito sexy balada), faz um projeto de roseiras e balanço no jardim pra ele brincar depois da escola, investe desesperada na educação do cachorro e mais outra infinidade de etcs que só passam pela cabeça da mãe. Porque agora você está grávida, anêmica, hormonalmente louca, com um guarda-roupas limitado, mudando hábitos, planejando o futuro e sozinha, pois a gestação é algo naturalmente solitário. Por mais que seus amigos, familiares ou o pai da crianças te acompanhem nos ultrassons, deem presentes, apoio e conselhos, tudo acontece no seu corpo e você não pode pedir pra alguém segurar a gestação só um pouquinho pra você curtir aquela festa, fazer a faxina dos sonhos ou a trilha pra cachoeira.

Daí o bebê nasce. Ufa, você vai ter alguns intervalos de quinze minutos da maternidade ao longo do dia. Não, não vai. Você vai lavar roupa, enxoval, mamadeira, vômito, o vaso que a cachorra destruiu por ciúme e quem sabe consiga cagar também. Vovó vai ajudar, papai vai ajudar, mas quando a bolinha rosada chorar só você vai saber porque e conseguir fazê-la parar, pois leva um tempo para que o bebê que foi feito das células do seu corpo torne-se uma outra pessoinha, com vulnerabilidade gradualmente reduzida e consciência individual.

Então passou-se dois ou três anos desde que você descobriu que estava grávida , mudou todos os seus hábitos, vendeu a bicicleta, executou seus planos, enfrentou seus medos, esqueceu o que era sexo e trabalhou pra pagar tudo isso. E finalmente o pai vai querer pegar o bebê pra curtir a paternidade, dizendo que é 50% responsável pela criança.
Oi? Nossa! Esse chute foi no meu estômago...
Por mais maravilhosos e bem intencionados que vocês sejam, pais, paternidade não é doação de esperma ou divisão de gastos com a criança.
Paternidade terá que ser construída e merecida a medida que a criança cresce, assim como a maternidade foi e tem sido, porque enquanto a mamãe estava nesse turbilhão descrito aí em cima, o papai acordava pra trabalhar normalmente, tomava cerveja no final do dia, cagava sem hemorroida, idealizava o futuro, paquerava no Facebook, não molhava a camiseta com o bico do peito, viajava de van sem vomitar e contava felizão pros amigos sobre a chegada de seu herdeiro.
A igualdade dos direitos se confunde quando a gente não tem clareza sobre as diferenças bio e fisiológicas do homem e da mulher e também das construções dos papéis de cada um.
Laços e méritos são conquistas, não convenções.
Papais, vocês vão precisar de muiiiiiiiiiiito mais pra serem realmente pais!
;)