Levantei do ninho onde velhos passarinhos gastavam seus dentes desafinando a vida. Saí pelas ruas quentes carregando expectativa nenhuma e o combinado de dividirmos um pedaço daquela tarde. Os traços de seu rosto não passeavam pela minha mente vazia e preguiçosa, que colhiam cheiros, cores e lembranças apenas para cuspí-los pela janela do carro.
Dirigia devagar, 'olhando para a esquerda e para a direita, e às vezes olhando para trás'. Diminuí para admirar o homem que descia, dançando, roubando o papel do próprio vento, balançando a camiseta preta no ombro como uma capa que nossos antigos heróis vestiam, reluzindo o dia na pele branca, provocando as flores dos canteiros de novembro, que suspiravam enquanto murchavam, pois já não eram tão belas assim e sabiam que nunca seriam tão belas quanto ele.
Aspirei a inveja das flores, reduzindo ainda mais a marcha, procurando os desenhos que marcavam o peito que eu tenho gostado de acariciar.
Ele era a própria rua, as flores e os heróis num mesmo corpo. Era o vento, o sol, os astros, a poesia e a loucura. Era pequeno, mas olhando à distância era o maior homem que a cidade já havia visto. Era um pequeno pra quem eu queria abrir a porta.
Ele era a própria rua, as flores e os heróis num mesmo corpo. Era o vento, o sol, os astros, a poesia e a loucura. Era pequeno, mas olhando à distância era o maior homem que a cidade já havia visto. Era um pequeno pra quem eu queria abrir a porta.
Desengatei e me reconheci naquele sorriso fácil, que ele oferece a qualquer um. Parei. Senti fome. Me dissolvi pra tentar suprimir o desejo, mas era pouco demais. E o nosso pouco foi suficiente.
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