segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Papo com os óculos

Entrei da mesma maneira que saí.
Em baixo os tacos de madeira riscando linhas retas sob os passos tortos, em cima uma nuvem de fantasia e entusiasmo que ora reluz alegrias de branco puro, ora todos os cinzas que opacam meu humor.
Mas deixemos as tempestades emocionais porta à fora. Sentemos na cadeira -eu na esculpida em madeira que há anos peregrina pelos cômodos da casa e você na que te acomode enquanto lê, e que necessariamente não precisa ser cadeira.
Pois quando cheguei estava tudo exatamente no mesmo lugar, o que incitou a suspeita de uma festa dos meus objetos enquanto estive fora. Tudo exatamente no mesmo lugar é óbvio demais e, em minha condição de complexo aglomerado de células e sentidos, gênero feminino em idade de aflorar hormônios e natureza inquieta, desconfio do que é óbvio.
A meia luz do abajur de cogumelos cor-de-rosa contorna móveis dispensáveis e insinua que odeio iluminação artificial no meu casulo, pois não saberia expôr minhas asas multicoloridas de borboleta que ainda não aceitou a condição de ex-lagarta. Pois me incomoda não ter sono na penumbra e trocar sonhos pela realidade com a qual devo conviver. 
O edredom xadrez faz-me lembrar de velhos prazeres com os quais já me acomodei, como a estampa dos panos reciclados que visto, a obsessão por sebos e cafés servidos em boteco, o apreço por grampos simples de cabelo, a fidelidade para com minha depiladora, tatuador ou o vício de me auto-boicotar pra que metade de mim ria, metade se cale...
Os livros empilhados no caixote que me serve como criado mudo ao lado da cama me escancaram a ironia de habitarem meu mundo em maior quantidade que os seres humanos; que estreito relações com papel e tinta, confio e dispenso tempo mais do que às criaturas feitas minha imagem e semelhança. Imagem e semelhança? Divagamos no plano biológico, né?? =(
Vi os familiares livros, somei aos infinitos potes de tintas e pincéis organizados na escrivaninha, capturei um resquício de perfume do incenso que acendi à tarde, cumprimentei fotos velhas e silêncio novo -sim, pois cada dia contabilizo a ausência de alguém-, pensei nas diversas acusações sob o título de a-social que às vezes caem sobre mim, discordando ao analisar comportamentos humanos modernos comparados aos meus. De certo desaprendi as regras do jogo das inter-relações, mas foi por opção. Continuo a conviver com o mundo na posição de espectadora, interagindo nas margens, porque me dá pé, mas de qualquer maneira, interagindo. 
Somos nós, bípedes, de polegar opositor, racionais (o que quer dizer isso mesmo?), peças de um grande quebra-cabeça, recortados no intuito do encaixe perfeito. Acredito que nos encaixemos, porém, matematicamente não encontro sentido para o encaixe e, mesmo acreditando na lógica, torno-me indiferente às suas matrizes. Procriação? Interesse? Leis de sobrevivência? A porcentagem de falha dessa tal razão? ...Deito frente às pecinhas embaralhadas  e filosofo, escondida à sombra onde ninguém cobra meus contornos vazios.
No frescor da minha pseudo-escuridão lembro de pessoas que chegaram e se foram, muitas que passaram pelo meu quarto, cumprimentando livros, edredom e abajur. Lembro que sou boa em desperdiçar tempo, pois este não foi reservado à companhia nenhuma. Lembro de uma conversa que tive na cama, com teus óculos de grandes lentes, onde chegamos à conclusão sobre um tal egoísmo que nos faz solitários. Lembro que devo esquecer de tudo, pois não adianta ler ou arquivar minutos; pintar ou combinar palavras. Minhas filosofias inúteis não pintam ou escrevem outro mundo, não me trazem sono. Não transformam a vida de quem as lê, tampouco de quem escreve.
Apenas enfatizam meu egoísmo e solidão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário